Facebook não deve indenização à família após apagar perfil de jovem morta; herança digital segue sem lei específica

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Um acervo de memórias e informações individuais fica disposto em nossos perfis nas redes sociais. Com a morte, essas plataformas em que compartilhamos momentos cotidianos se tornam um alento para a saudade daqueles que ficam. A situação se relaciona diretamente com a herança digital, tema relativamente novo no Direito das Sucessões e que, com frequência, tem encontrado novos paradigmas.

Na semana passada, foi noticiado que a 31ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP manteve decisão negando indenização por danos morais a uma mãe que teve o perfil de sua filha excluído pelo Facebook. O entendimento foi de que a empresa agiu no exercício regular de um direito, sem abusividade ou falha na prestação do serviço.

A autora da ação afirmou que usava o perfil para recordar fatos da vida da filha e interagir com amigos e familiares. Além da indenização, ela pediu a restauração da página. Contudo, os Termos de Serviço e Padrões da Comunidade possuía duas opções em caso de morte: transformar o perfil em memorial ou optar previamente pela exclusão da conta; a filha havia optado pela segunda opção.

“Não se ignora a dor da autora frente à tragédia que se instaurou perante a sua família, e que talvez seja a mais sensibilizante das mazelas humanas. Tampouco a necessidade de procurar conforto em qualquer registro que resgate a memória de sua filha”, disse o relator no TJSP. O desembargador ressaltou ainda que não há regramento específico sobre herança digital no ordenamento jurídico brasileiro, nem no Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) ou na Lei Geral de Produção de Dados Pessoais – LGPD (13.709/2018).

Heranças patrimoniais e existenciais

A decisão está correta na opinião do advogado João Aguirre, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. “Como bem ressalta o acórdão do TJSP, a falecida fez a opção expressa no Facebook pela exclusão de sua conta em hipótese de morte em vez da permanência como memorial. Essa é uma disposição de última vontade que é válida, que deve prevalecer e ser respeitada. Preserva-se, assim, a autonomia privada do autor da herança”, destaca.

Segundo o especialista, a herança digital diz respeito tanto a conteúdos patrimoniais quanto existenciais. “Constitui, em um sentido amplo, lato sensu, todo o acervo pertencente ao falecido e disposto em sistema digital, incluindo imagens, informações e senhas. Há também os ativos de fundo patrimonial, como as bitcoins, moedas digitais com valor absolutamente considerável.”

No campo dos conteúdos existenciais, as conversas por WhatsApp, mensagens diretas pelo Instagram e imagens expostas nas redes sociais, por exemplo, requerem uma abordagem diferenciada. “Temos que respeitar os direitos da personalidade do próprio falecido e suas vontades sobre o tema”, lembra o advogado.

Leia a decisão na íntegra acessando o Banco de Jurisprudência do IBDFAM.

Projetos de lei buscam regulamentar o tema

Tramitam no Congresso Nacional alguns projetos de lei para a regulamentação da herança digital. Para João Aguirre, os textos apresentados até o momento não dão conta do tema em sua integralidade. “Sou crítico dessas propostas porque tratam a herança digital pelo conteúdo patrimonial e pela forma tradicional de transmissão da herança, determinando que todos os bens que compunham o acervo digital do falecido serão transmitidos diretamente aos seus herdeiros.”

Esse tratamento gera problemas, de acordo com o advogado. “Existem bens com valor economicamente apreciável e efetivo, o que justifica a transmissão de herdeiros, porque se trata de patrimônio. Contudo, nos textos, não se considera o conteúdo existencial do acervo digital”, observa.

Citando o estudioso português Diogo Leite de Campos, o advogado diz que a tutela dos direitos da personalidade do falecido se faz sobre dois vetores. “Herdeiros devem proteger possível afronta à honra, nome e imagem, mas existem direitos de personalidade do falecido que devem ser protegidos inclusive em relação aos herdeiros, relacionados à intimidade e privacidade”, explica.

Além desses, há também os arquivos profissionais que não devem ser ignorados na discussão. Advogados e psicólogos, por exemplo, podem armazenar dados de terceiros, a quem prestam atendimento, cobertos de sigilo. Por isso, a transmissão não deve se dar de forma automática, mas ser analisada casuisticamente. “É necessária uma discussão mais aprofundada sobre o tema, com audiências públicas para uma regulamentação de forma ampla”, frisa Aguirre.

Tema fundamental

Para o especialista, a herança digital é um tema fundamental na contemporaneidade. “Vivemos em um mundo virtual. Especialmente agora, em tempos de pandemia, estamos imersos de uma forma nunca antes imaginada. Muitos passam o dia em frente ao computador, fazendo atividade profissionais, acadêmicas, compras, assistindo a aulas e resolvendo problemas.”

“Todo o acervo digital precisa efetivamente ser regulamentado, seja para as relações em vida ou post mortem. A importância de se tratar do tema é inegável só tende a crescer com o desenvolvimento da tecnologia e com o andar das relações sociais, afetivas e jurídicas cada vez mais direcionada ao virtual”, conclui João Aguirre.

Fonte: IBDFAM (com informações do Conjur) Imagem: Oladimeji Ajegbile no Pexels

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