Sancionada Lei Mariana Ferrer que protege vítimas de crimes sexuais em julgamentos; especialista comenta

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Lei 14.245/2021, que protege vítimas de crimes sexuais de atos contra a sua integridade durante o processo judicial, foi sancionada nesta semana, sem vetos, pelo presidente Jair Bolsonaro. A norma, conhecida como Lei Mariana Ferrer, foi publicada no Diário Oficial da União – DOU da última terça-feira (23).

O texto, oriundo do Projeto de Lei 5.096/2020, aumenta a pena para o crime de coação no curso do processo, que já existe no Código Penal. O ato é definido como o uso de violência ou grave ameaça contra os envolvidos em processo judicial para favorecer interesse próprio ou alheio, e recebe punição de um a quatro anos de reclusão, além de multa. Conforme a nova lei, a pena fica sujeita ao acréscimo de um terço em casos de crimes sexuais.

A matéria foi inspirada no caso da influenciadora digital Mariana Ferrer, alvo de humilhações e xingamentos durante uma audiência. O réu, denunciado por ela por estupro, foi considerado inocente. Durante a votação da proposta, a senadora Rose de Freitas (MDB-ES), definiu a medida legislativa como “um passo na direção de recuperar a justiça para as mulheres”.

Proibições que a própria ética, o bom senso e o bom caráter já exigiam

A professora Bruna Barbieri Waquim, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, explica que a lei proíbe, durante a colheita das provas e depoimentos, bem como no julgamento, a abordagem de fatos relativos à pessoa denunciante (vítima) que não sejam objeto do processo. Também proíbe a utilização de linguagem, de informações ou de material que sejam ofensivos à vítima.

“Em outras palavras, todas as partes e demais sujeitos processuais presentes no ato deverão zelar pela integridade física e psicológica da vítima, como literalmente prescreve a lei. A verdade é que essa legislação trouxe proibições que a própria ética, o bom senso e o bom caráter já exigiam: tratar as pessoas no processo judicial com a dignidade que é inerente à sua condição de pessoa humana”, pondera a especialista.

Bruna Barbieri lembra que o Código de Ética da Magistratura prevê ao magistrado o dever de cortesia com as partes, e que é atentatório à dignidade do cargo qualquer ato ou comportamento, no exercício profissional, que implique discriminação injusta ou arbitrária de qualquer pessoa. Ela cita também o Código de Ética e Disciplina da Advocacia, que determina que deve o advogado tratar o público com respeito e discrição, e é imposto ao advogado lhaneza (gentileza), além do emprego de linguagem polida.

“Ainda que assim não fossem, temos o artigo 5º, inciso X da Constituição Federal, que reza serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem de qualquer pessoa. Porém, é recorrente, na prática forense e em alguns julgamentos, estereótipos de gênero serem reforçados pela atuação dos próprios membros das instituições jurídicas.”

“Conhecemos os perfis clássicos, construídos pelo imaginário jurídico: da mulher que não se dá ao respeito e pede alimentos gravídicos mesmo levando uma vida ‘promíscua’; do pai que luta pela guarda compartilhada só porque não quer pagar pensão; da mãe que é alienadora porque suspeita de algum fato grave do pai; do homem que não paga um valor maior de pensão porque não se importa com os filhos. Todos representam papéis estigmatizados e que acabam juntando o ‘joio com o trigo’, impossibilitando que a dignidade individual seja respeitada na apuração dos fatos narrados num processo judicial”, avalia a professora.

Violências precisam receber nomes

Segundo Bruna, existe toda uma importância pedagógica a normas como a Lei 14.245/2021, pois, como diz a psicanalista Vera Iaconelli, as violências precisam receber nomes. “Só assim para que a sociedade deixe de considerar como ‘normal’ ou ‘irrelevante’ determinadas práticas, e receba o reforço pedagógico da ameaça da ‘pena’ para que deixe de assim se comportar.”

“Na arena do processo judicial, em que muitas vezes a natureza adversarial que é própria das posições de autor e réu acaba transbordando para uma guerra pessoal entre as partes, nunca é demais relembrar aos atores e sujeitos de um processo que, do outro lado, existe um ser humano que merece respeito”, pontua.

A Lei Mariana Ferrer traz a importância de evitar pré-julgamentos e pré-conceitos, sob pena de que a máquina do processo judicial esmague pessoas ao invés de restaurar direitos. “Não podemos permitir que clamar à Justiça seja um ato que represente um novo canal de violência às partes.”

Valor inegociável

A especialista ressalta que o Poder Público “deve ter seriedade e compromisso não só na produção de leis que representem ganhos à causa da proteção da mulher, mas deve também priorizar a sua respectiva concretização por meio de políticas públicas que possam fomentar uma nova cultura de respeito e igualdade”.

“A educação sobre respeito e igualdade deve ser fomentada nos bancos das escolas, nas grades das faculdades, nos cursos de formação a cargos públicos, nas associações de bairro, nas denominações religiosas, em campanhas de conscientização, enfim, em todos os canais em que for possível captar a atenção da sociedade e transmitir a dignidade da pessoa humana como valor inegociável da existência humana”, avalia Bruna Barbieri.

Fonte:  IBDFAM (com informações da Agência Senado) – Imagem: Reprodução.

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