Advocacia no século XXI: possibilidades e desafios do ChatGPT no Direito das Famílias e das Sucessões
Os contornos entre os benefícios e desafios da utilização da inteligência artificial no meio jurídico estão cada vez mais embaçados. De um lado, a IA pode ser uma grande aliada para a análise de informações em casos de grande complexidade, como partilhas de bens e disputas de guarda de filhos. Por outro lado, a falta de transparência e de entendimento do funcionamento dos algoritmos pode gerar questionamentos éticos e morais, além de trazer riscos de exclusão de pessoas em situação de vulnerabilidade.
O parágrafo que você acabou de ler foi criado por um software a partir de uma única linha de informação. Popularizado nas últimas semanas, o ChatGPT é capaz de gerar diversos formatos de textos, redigidos de forma natural e coerente.
Criado pela empresa californiana OpenAI e disponível como uma página de bate-papo, o software utiliza inteligência artificial e machine learning (aprendizado de máquina) para produzir as respostas. As inúmeras possibilidades de uso da ferramenta têm preenchido o imaginário popular e levantado questionamentos acerca da viabilidade em diversas áreas, como no Direito.
A plataforma já tem sido utilizada pela Justiça internacional. Conforme noticiado recentemente pelo IBDFAM, um juiz da Colômbia utilizou o robô ChatGPT para redigir a sentença em um caso que envolvia o direito à saúde de uma criança autista.
O professor Anderson Schreiber, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, entende que a inteligência artificial pode proporcionar diversos benefícios ao meio jurídico. “A primeira vantagem, sem dúvidas, é a otimização de tempo decorrente da automatização de tarefas repetitivas e burocráticas.”
“Essa celeridade, tão buscada pela Justiça brasileira, é ainda mais relevante no Direito de Família e das Sucessões, que cuida de questões muito sensíveis e que, quase sempre, exigem decisões rápidas”, avalia.
Segundo o especialista, o meio jurídico como um todo se beneficia dos mecanismos de análise de dados e histórico de decisões judiciais, “que facilitam bastante a análise de risco pelos advogados e a uniformização da jurisprudência pelos tribunais”.
Desafios éticos e legais
Schreiber observa que o uso de IA e de modelos de linguagem como ChatGPT no Direito das Famílias e das Sucessões intensificam as preocupações relacionadas à privacidade e proteção de dados pessoais, “sobretudo em relação às bases de dados a partir das quais são construídas as respostas dadas pelo ChatGPT”.
Ele complementa: “Há, ainda, o risco de que o emprego acrítico da inteligência artificial acabe por ocultar discriminações decorrentes de algoritmos de vieses inadequados, como viés de gênero, produzindo, sob uma aparente neutralidade tecnológica, resultados tendenciosos ou discriminatórios”.
A mitigação desses desafios, segundo o especialista, passa pela implementação de políticas de privacidade robustas e cumprimento rigoroso da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD, e também pela garantia da transparência sobre métodos de coleta, uso e armazenamento de dados.
Possibilidades e desafios do ChatGPT: Eficiência e precisão
Para Anderson Schreiber, a inteligência artificial pode auxiliar na execução de tarefas “poupando tempo dos advogados para as reflexões mais profundas em torno do Direito”. Ele antecipa um avanço nas técnicas de jurimetria, gestão de risco e predição de resultados.
“Naturalmente, há o risco de uma adoção impensada dessas tecnologias para realização de tarefas que necessariamente devem ser feitas por advogados, que, além da formação jurídica, possuem a sensibilidade humana necessária para lidar com certas demandas, especialmente no Direito de Família e Sucessões”, pondera.
Proteção de dados
De acordo com o especialista, aquilo que se designa, hoje, sob o rótulo único de Inteligência Artificial corresponde, na verdade, a um conjunto relativamente amplo de tecnologias, que se prestam aos mais diferentes usos na realidade social e econômica. “Assim, cada uma destas ‘aplicações’ da Inteligência Artificial é dotada de peculiaridades e especificidades que podem e devem refletir sobre a construção de um modelo normativo ideal.”
“No caso específico dos modelos de linguagem como o ChatGPT, a LGPD já estabelece alguns princípios importantes, como o direito dos titulares de dados de controlarem seus próprios dados e a responsabilidade das empresas pela proteção desses dados”, explica Schreiber.
Neste sentido, ele complementa que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados – ANPD também deve ser chamada a desempenhar um importante papel de fiscalização.
Fonte: IBDFAM – Por Débora Anunciação – Imagem: Freepik
Leia também:
Juiz usa robô ChatGPT para redigir sentença em caso de criança autista na Colômbia
Herança digital: TJMG nega pedido para desbloquear dispositivos de falecido
Mulher que teve casa filmada por câmeras da vizinha será indenizada
Provas testemunhais são anuladas após vídeo comemorando no TikTok
0 Comentários