Apelação. Ação de exoneração de alimentos. Julgado parcialmente procedente o pedido inicial, estipulando-se termo final para a obrigação alimentar
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2021.0000130303
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000041-36.2020.8.26.0361, da Comarca de Mogi das Cruzes, em que é apelante E. DOS S. V. (JUSTIÇA GRATUITA), é apelada K. V. V. (JUSTIÇA GRATUITA).
ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento em parte ao recurso. V. U. , de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores EDSON LUIZ DE QUEIROZ (Presidente sem voto), GALDINO TOLEDO JÚNIOR E JOSÉ APARÍCIO COELHO PRADO NETO.
São Paulo, 25 de fevereiro de 2021.
PIVA RODRIGUES
Relator
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
APELAÇÃO 1000041-36.2020.8.26.0361
APELANTE: E. S. V.
APELADO: K. V. V.
COMARCA: Mogi das Cruzes 2ª Vara da Família e Sucessões
VOTO: 39203
Apelação. Ação de exoneração de alimentos. Sentença de improcedência. Inconformismo do genitor-alimentante. Acolhimento parcial para julgar parcialmente procedente o pedido inicial, estipulando-se termo final para a obrigação alimentar. O posicionamento desta Relatoria acerca dos alimentos em favor de filhos maiores é consolidado no sentido da súmula 358 do STJ, qual seja, de que o atingimento da maioridade por si só não desobriga automaticamente o alimentante já que não implica em presunção absoluta de que o jovem já se encontra independente e, portanto, apto a prover a sua própria subsistência. Ré-alimentanda trouxe documentação plausível que indicou a continuidade dos estudos [a despeito de ingresso tardio na graduação em direito (quando com 24 anos de idade)] e a imprescindível manutenção do apoio material do pai, em cumprimento ao ônus probatório que lhe é cometido pelos artigos 373, II, e 434, CPC/15. Todavia, em prestígio à boa-fé que norteia a obrigação alimentar, impositivo se fixar um termo final para os alimentos, tendo em vista as particularidades de que a ré-apelada compatibiliza o horário da universidade com o emprego atual e a sua faixa etária, inexistindo justificativa idônea para, aos 25 anos completados em outubro de 2020, ainda estar no primeiro ano da graduação, confessadamente tendo preexistido escolhas de outros cursos universitários não concluídos. Necessária vinculação da manutenção da pensão alimentícia ao êxito no presente curso universitário. Termo final estabelecido ao cabo dos cinco anos do curso da graduação em direito, condicionado à aprovação regular a cada semestre nas matérias matriculadas. Sentença reformada. Recurso provido em parte.
Na ação de exoneração de alimentos proposta por E. S. V., genitor alimentante, em face de K. V. V., sua filha, o E. Juiz de Direito Robson Barbosa Lima proferiu sentença, de relatório adotado, por meio da qual julgou improcedentes os pedidos iniciais.
Sem condenação em honorários advocatícios de
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO sucumbência, dado o “caráter assistencial da demanda”.
Sentença proferida em 22.10.2020 (cf. fl. 69).
O autor apela (fls. 76/78). Alega que propôs ação exoneratória de alimentos, que haviam sido fixados por meio de acordo, em que ele se propusera a pagar 1/3 do salário mínimo. Afirma que a apelada, em contestação, limitou-se a afirmar que não poderia se manter dignamente sem os valores da pensão alimentícia, tendo em vista que o salário que percebe não supre o padrão de vida que sempre levou, tampouco seus esforços para conclusão dos estudos. Afirma que o juízo de primeiro grau adotou o fundamento, para julgar improcedente a ação, de que “o simples fato de estar matriculado em curso de nível superior, sem qualquer comprovação de frequência ou ainda comprovação de que realmente vem cursando o referido curso sem qualquer espécie de bolsa de ensino, ou seja, realmente vem pagando/desembolsando por seus estudos desde a matrícula até a presente data, entendendo que o apelante, sempre que possível, deve arcar com as responsabilidades assumidas quando da feitura do acordo judicial” (cf. fl. 77). Agrega que a sua situação é diferente daquela que existia quando do acordo homologado em juízo, pois o apelante está em novas núpcias, sem qualquer renda complementar sua ou de sua nova companheira, que a cada ano vem se desvalorizando. Afirma que a obrigação alimentar não pode servir para enriquecer ou empobrecer alguém, apenas para manter o padrão social e financeiro que o alimentando deveria ter, sem que isto signifique obstáculo ao padrão de vida do devedor. Alega que, quando do acordo, a apelada era menor e não exercia atividade remunerada, o que é diverso de agora, em que a ré-apelada juntou CTPS registrada e anotada (cf. fls. 47/49). Afirma que à fl. 42, na contestação, a ré-apelada disse que moraria de aluguel com a sua mãe, mas ela omite o fato de que já tem 25 anos completos, suficiente para que tivesse concluído os seus estudos. Afirma que a réapelada se matricula em diversos cursos, mas nunca chegou a frequentá-los de modo a concluí-los, até a presente data pelo menos. Alega que tem conhecimento de que, enquanto genitor, deve auxiliar os estudos do alimentando até que este o conclua, porém, não com características perpétuas. Afirma que a cada dificuldade enfrentada nos estudos não pode ser interpretada como falta de adaptação, tal qual foi narradopela contestação pela apelada (“ocorre, Excelência, que a requerida não havia se adaptado e preferiu trocar de curso”, cf. fl. 41 dos autos). Afirma que o art. 401 do CC/16 prevê a regra de alteração do binômio alimentar, para justificar a exoneração pleiteada. Afirma que seria imprescindível oficiar a instituição de ensino, com a finalidade de aferir se a apelada vem frequentando regularmente o curso, além de também se verificar a possibilidade da existência de qualquer espécie de bolsa de estudos, vinculado à matrícula.
Requer a reforma da sentença, para julgar procedentes
os pedidos iniciais, exonerando-o da obrigação alimentar.
Recurso processado, com contrarrazões às fls. 83/88 pugnando pela manutenção da sentença proferida. Alega que é o genitor-apelante quem deve arcar com a responsabilidade em face da escolha de ter constituído nova família, não podendo tal fato implicar em diminuição de sua condição financeira oponível à ora ré. Agrega que o apelante alegou falsamente que a ré-apelada estaria se matriculando em cursos de nível superior com a finalidade de postergar o recebimento de pensão alimentícia. Diz ser “normal” um indivíduo iniciar uma faculdade e se sentir infeliz e querer trocar o curso, o que teria justamente ocorrido no caso em tela. Afirma que atualmente está cursando direito na faculdade Universidade Anhembi Morumbi, paga quantia de R$ 489,41 de mensalidade, enquanto o genitor lhe paga R$ 350,00 a título de alimentos, ou seja, inferior ao gasto que a ré-apelada tem com a mensalidade da faculdade, a tornar impossível a exoneração da obrigação alimentar. Afirma que existe nos autos comprovação documental de que ela está estudando (cf. fl. 50). O apelante, à fl. 78 na sua apelação, requereu que fosse oficiada à instituição de ensino para que fosse aferido se realmente a apelada vem frequentando o curso, mas compreende a apelada que tal pleito é “um tanto vergonhoso, levando a apelada à humilhação em face a instituição de ensino” e seria desnecessário, porque já estaria comprovado, à fl. 50, tal fato a partir da demonstração da grade de aulas e à fl. 51, com o comprovante de pagamento da mensalidade da faculdade. Cita a Súmula 358 do STJ em seu favor, para indicar que, estando matriculada em curso superior, não seria possível a exoneração.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Autos entrados em 29.01.2021, recurso distribuído a esta relatoria em 09.02.2021, mesma data em que conclusos para julgamento.
Não houve oposição quanto ao julgamento virtual do recurso.
É o relatório.
O recurso comporta provimento parcial.
Trata-se de pedido de exoneração de alimentos que E. S. V. autor intentou em face de K. V. V. , nascida em 18.10.1995 (cf. fl. 15), sob a alegação de que ele teve drástica redução de seus rendimentos (já que está em novas núpcias com a atual esposa, que não trabalha, tornando-se o ora autor responsável por arcar com as despesas da atual família em exclusividade, suportandoas com os seus proventos de aposentadoria, numa quantia líquida de R$ 1.182,68), e de que a filha teria atingido a maioridade civil, goza de plena saúde para prover o próprio sustento, já teria 24 anos ao tempo da propositura da demanda, teria se matriculado em algumas universidades mas não concluíra nenhum curso de nível superior até o presente instante (com o alegado objetivo único de “postergar o recebimento da pensão alimentícia até os 24 anos de idade”), viveria postando fotografias em redes sociais com passeios de alto custo, além de poder plenamente trabalhar e ter seus próprios rendimentos, a tornar desnecessário o pagamento de pensão alimentar.
Requereu, sob essas bases, a exoneração do importe alimentar, que está fixado em 1/3 do salário mínimo vigente, desde acordo extrajudicial homologado em juízo, nos autos do Processo 0023239-42.2008.8.26.0361.
Ação foi distribuída em janeiro de 2020.
Em defesa, a ré-apelada impugnou a versão fática trazida na petição inicial e defendeu que o autor não provara redução de suas possibilidades financeiras, ou das necessidades suas, alimentanda. Defendeu que se o
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
autor-apelante constituiu nova família, ele deve possuir plenas condições de arcar com todos os gastos, não podendo levantar tal tese em desfavor da filha alimentanda que necessita de seu auxílio. Alegou ter ingressado no curso de direito na Universidade Anhembi Morumbi, pagando R$ 489,41 de mensalidade, e mencionou gostar muito da sua escolha e pretende concluir o curso. Diz que há jurisprudência favorável compreensiva de que o dever de alimentar se estende enquanto o filho estiver estudando. Mencionou que o autor-apelante lhe paga cerca de R$ 350,00, que é inferior ao gasto da faculdade. Agrega que mora com a sua mãe de aluguel. Carreou documentos, que revelam que ela está empregada como operadora de telemarketing, percebendo salário de R$ 5,81, acredita-se, por hora trabalhada, admitida desde 30 de setembro de 2020 (fl. 48), além de documentos atinentes à sua condição estudantil (atestado de matrícula, no primeiro semestre, iniciado no período letivo de segundo semestre de 2020, cf. fl. 50; boleto bancário da mensalidade, vencido em outubro de 2020; e excerto de avaliações realizadas em determinadas disciplinas, cf. fl. 52) e de emprego de sua genitora (cf. fl. 54, apontamento de percebimento de salário desde 2004, na profissão de ajudante geral, na quantia inicial de R$ 692,07; e hollerith, apontando a remuneração bruta atual da genitora de R$ 1.825,20, cf. fl. 55).
Aberta oportunidade para réplica (fls. 56), o autorapelante reiterou a tese da petição inicial de que a ré-apelada só viria se matriculando em universidades com o objetivo de postergar o recebimento da pensão alimentar. Alega que a ré-apelada somente prova a sua matrícula em cursos superiores, mas não revela nem demonstra a sua frequência a tais cursos, além de que o boleto bancário juntado veio desacompanhado do comprovante de pagamento. Identificou, ainda, que a ré teria juntado a cópia da carteira de trabalho, com o apontamento de que ela trabalha atualmente em um call center, porém, mencionou que ali não há informações suficientes para apreciar se o horário de trabalho conflita ou não com o horário de estudo na faculdade, se é que este exista. Argumenta que a apelada afirmou que o valor de alimentos pago seria inferior ao seus gastos, porém, ela ostenta padrão de vida supérfluo (fls. 25/26). Alega que o fato do advento da idade de 25 anos da ré-apelada é motivo suficiente para exonera-lo da obrigação alimentar. Afirma que a ré-apelada se matricula em algumas universidades, não conclui nenhum curso até o momento e vive postando fotografias exibindo passeios de alto custo, além de que é jovem e possui condições de trabalhar para prover o próprio sustento e bancar a vida luxuosa que quer viver. Alega que, enquanto isso, vive com a sua esposa de forma limitada, consumindo o básico para sobreviver.
Considerando que elucidação da matéria controvertida nos autos não depende de prova oral e a desnecessidade da busca de novos elementos probatórios, o juízo de primeiro grau, ao sentenciar, julgou improcedente o pedido exoneratório, ao fundamento de:
“(…) Sabe-se que os alimentos fixados em favor de filho cessam galgada a maioridade.
Alguns fatos, no entanto, têm o poder de impossibilitar a alimentanda já maior de concorrer para o próprio sustento. Assim ocorre, notadamente, com a debilidade física ou psíquica e a necessidade de dedicação exclusiva a curso de nível superior (ou mesmo técnico).
Do contrário, gozando a alimentanda de boa saúde e estando apta ao trabalho, não mais subsiste razão para a continuidade do pensionamento.
No caso dos autos, a parte requerida já atingiu a maioridade, tendo mais de 18 anos de idade. Contudo, comprovou, sem a menor sombra de dúvidas, de que está devidamente matriculada em instituição de ensino (fls. 50).
A jurisprudência tem feito uma análise do caso de pensionamento de filho maior de idade, expondo que deve ser sopesado o contexto fático quanto aos gastos tidos com a educação. Logo, ao analisar a situação financeira da parte ré, chega-se à conclusão de que a pensão é elemento imprescindível para que a parte requerida continue a frequentar o curso de Direito no qual se acha matriculada na Universidade Anhembi Morumbi. Sem a cooperação financeira da parte autora, fatalmente terá de deixar o curso, causando prejuízos ao seu desenvolvimento, já que seus rendimentos não são suficientes para arcar com o custo do ensino superior.
Nesse sentido vem se posicionando a jurisprudência, valendo transcrever as seguintes ementas:
“É vedada a exoneração automática do alimentante, sem possibilidade ao alimentado a oportunidade de manifestarse a comprovar, se for o caso, a impossibilidade de prover a própria subsistência. Precedentes do STJ” (Resp 739004/DF, Quarta Turma, Relator Ministro Barros Monteiro, j. 15/09/2005).
“atingida a maioridade, não cessa para o filho o direito aos alimentos, se freqüenta curso e não dispõe de meios para pagar as mensalidades escolares” (Al 269.762-1/3, Dês. Ernani de Paiva, RT 724/323).
Exoneração de pensão alimentícia – Filha maior, estudante universitária – Maioridade, por si, não autoriza a automática cessação da obrigação alimentar – Precedentes da Câmara e do STJ – Sentença mantida – Recurso IMPROVIDO.(TJ-SP – Apelação Com Revisão CR 5953704800 SP – Data de publicação: 05/02/2009)
Não obstante a parte autora tenha demonstrado a maioridade da parte ré, não há prova da desnecessidade dos alimentos ou da impossibilidade da parte autora, pois se vê que as provas documentais acostadas não expõem problemas na “saúde” financeira da parte autora.
Ademais, a simples tese de que a parte ré não faria mais jus à verba porque a parte requerida teria atingido a maioridade e poderia se manter sem o auxílio financeiro do autor não encontra amparo no contexto fático dos autos.
Assim, vejo que o núcleo da causa petendi refere-se à maioridade da parte ré e, nesse ponto, entendo que, não obstante a maioridade estar patenteada nos autos, não assiste razão ao autor.
Apelação Cível nº 1000041-36.2020.8.26.0361 -Voto nº 39203 8
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Em síntese, percebe-se que há julgados expondo que o fato da alimentanda ser maior de idade não é capaz de gerar alteração no binômio, bem como a simples cessação do dever de contribuir. Aliás, como já dito, a parte autora nada provou acerca da capacidade econômica.
A situação econômica da parte autora é capaz de manter o compromisso assumido, mesmo diante da maioridade da parte ré, vez que está frequentando curso universitário. Seja como for, a meu ver, o dever de pagar pensão ainda permanece porque comprovado um dos motivos aceitos, pacificamente, pela jurisprudência, qual seja: curso universitário.
Cediço que, a parte ré precisa trabalhar, porém, é fato que, não obstante o curso que vem frequentando demonstrar esforço no sentido de se qualificar para o trabalho. A parte ré encontra-se trabalhando, porém seus rendimentos não são suficientes para manter, por si só, sendo que neste momento, não se pode afastar o auxílio paterno. Ademais, não há provas de que a parte requerida alterou por várias vezes a faculdade no intento de manter os alimentos. Aliás, meras fotografias extraídas de redes sociais não comprovam tal fato. A localização indicando as diversas faculdades não são provas concretas de que a mesma cursou vários cursos e, muito menos, revelam qualquer atitude ardilosa por parte da requerida.
Desta forma, gozando o alimentante de boa saúde financeira, subsiste razão para a continuidade do pensionamento.
O dever de pagar alimentos decorre do poder familiar. A obrigação é legal.
Destarte, é de rigor lembrar que dentre as obrigações admitidas no direito pátrio, talvez a mais importante seja a alimentar, já que visa à manutenção de uma vida digna aos
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
menores e necessitados.
A doutrina, sobre a essencialidade dos alimentos, nas palavras do Ministro César Peluso, já se manifestou:
A obrigação de prestar alimentos está fundamentada em princípios e garantias previstos na Constituição da República, como o da preservação da dignidade da pessoa humana, do direito à vida e da personalidade. (Código Civil Comentado Editora Manole 2007 pág. 1.652)
Registre-se que, assim, os alimentos sempre devem ser fixados em patamar real, que acompanhe o limite da necessidade de quem deles se serve e da possibilidade de quem a presta. Assim, a meu ver, mostra-se adequado que a verba alimentar deva ser mantida nos moldes já fixados.
Mais, creio, é desnecessário acrescentar..” (cf. fl. 66/69)
Conquanto concorde que a exoneração imediata da obrigação alimentar no presente momento não seja a medida adequada tendo em vista os elementos probatórios e manifestações parciais, aponta-se ser a hipótese de se modificar, pontualmente, a sentença proferida, a fim de que seja estabelecido um termo final a obrigação alimentar , à vista das peculiaridades do caso concreto.
Os alimentos são devidos pelos genitores, em razão da própria relação de filiação, a teor do que dispõem os artigos 1.694 e 1.695, do Código Civil de 2002:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§ 1 o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
§ 2 o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.
Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
Além disso, a pensão alimentícia deve ser fixada abrangendo todo o necessário para a sobrevivência digna do alimentando, bem como as possibilidades financeiras dos genitores, observando-se sempre o trinômio da necessidade-possibilidade-proporcionalidade, nos moldes do § 1º do art. 1.694 do Código Civil de 2002.
Sobrevindo, comprovadamente, modificação na situação de qualquer das partes possível a alteração do encargo alimentar, conforme aplicação do artigo 1.699 do Código Civil, que é claro ao dispor:
“Se, fixados alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.”
No caso concreto, alegou o autor que a alimentanda
atingira a maioridade e seria capaz de prover sua própria subsistência.
Ressalta-se, entretanto, que o fato de a alimentanda terem atingido a maioridade não implica em presunção absoluta de que esta alimentanda se encontre independente e, portanto, apta a prover o seu próprio sustento.
Com a maioridade, altera-se o fundamento da prestação alimentar antes o poder familiar, agora o dever de solidariedade de assistência material decorrente da relação de parentesco estabelecida entre os descendentes e ascendentes (artigos 229 da CRFB e 1.694, CC/02) mantendo-se, todavia, a prestação em si.
Contudo, neste caso, exige-se, evidentemente, que estejam provadas as circunstâncias que atestem a situação de necessidade da pessoa
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
alimentanda, normalmente ainda inserida no âmbito escolar na transição para a maioridade civil, impossibilitada do desempenho de atividade com remuneração satisfatória.
Anote-se, sobre o tema, que a súmula 358 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que “o cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos”.
No caso em exame, a ré-apelante trouxe documentação demonstrativa de sua matrícula em curso superior, em cumprimento ao ônus probatório que lhe é cometido pelos artigos 373, II, e 434, CPC/15, de modo que a sua aptidão ao trabalho está dificultada, diante da necessidade de dedicação aos estudos e complementação profissional, a tornar fundamental o apoio material vindo do genitor, ainda mais considerado que a sua genitora também percebe salário baixo (remuneração como auxiliar de serviços gerais no município local de Mogi das Cruzes, por volta de R$ 1,8 mil brutos). Note-se que o fato de ter sido a matrícula posterior ao ajuizamento da demanda não impede que seja conhecido sob a perspectiva do artigo 493 do CPC/15, já que se trata de elemento (fato modificativo) que influi no julgamento de mérito da lide.
Ademais, a superveniência de nova entidade familiar do genitor, sendo que demonstrada a responsabilidade assumida voluntariamente pelo ora apelante quanto à mútua assistência à sua atual esposa que não trabalha, não configura obstáculo ou redução da capacidade financeira do apelante alheia às suas próprias vontades. No momento em que constituiu a nova família, tinha conhecimento a respeito de suas obrigações em prol da complementação profissional e estudantil da filha. Além disso, não trouxe qualquer excepcionalidade no sentido de que seus dispêndios tenham exorbitado a seus ganhos, por motivo, por exemplo, de tratamento de saúde.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
distinto no primeiro semestre de 2017 (cf. fls. 10/12) e em prestígio à boa-fé que norteia a obrigação alimentar, impositivo se fixar um termo final para os alimentos, tendo em vista as particularidades de que a ré-apelada compatibiliza o horário da universidade com o emprego atual e a sua faixa etária, inexistindo justificativa idônea para, aos 25 anos completados em outubro de 2020, ainda estar no primeiro ano da graduação, confessadamente tendo preexistido escolhas de outros cursos universitários não concluídos.
Note-se, ademais, que a carteira de trabalho juntada da apelada mostra que a sua remuneração é, aparentemente, por hora trabalhada (não sendo plausível indicar que ela receba apenas a quantia de R$ 5,81 pelo emprego), e, cogitando-se de uma jornada de trabalho de oito horas diárias variável de cinco a seis dias por semana, dado o setor de prestação de serviços de call center, é de se cogitar que a remuneração da parte ré-apelada não ultrapasse R$ 1 mil mensais, estando próxima, portanto, da remuneração que o genitor percebe. Observando a necessidade de que tenha recursos para não apenas quitar a mensalidade do curso universitário, mas também se valer dos materiais necessários aos estudos e deslocamento e alimentação, é de se notar que a ajuda material do pai se mostra mesmo necessária, ao menos provisoriamente, enquanto não esteja em vínculo de trabalho que lhe redunde uma maior remuneração, ou mesmo de estágio que proporcione uma renda superior ao de seu genitor.
Já que houve a notícia, confessada, de que a ré-apelada já se matriculou em outros cursos universitários anteriormente, sem notícia de êxito ou de motivação plausível para o seu trancamento que fosse distinta de sua escolha íntima pessoal, resta necessária a declaração judicial de que a manutenção da pensão alimentícia deve se vincular ao êxito no presente curso universitário, sob pena de a ré-apelada, mais uma vez embasada no desinteresse quanto ao curso, dele desistir, sem se atrelar ou se considerar a seriedade de suas escolhas ou dos esforços advindos de seu genitor, provedor de auxílio material que vem sendo despendido em favor de sua complementação profissional.
O termo final da obrigação alimentar resta estabelecido
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
ao cabo dos cinco anos do curso da graduação em direito , condicionado tal termo à aprovação regular a cada semestre nas matérias matriculadas, devendo a ré-apelada demonstrar documentalmente, em juízo, referida aprovação a cada semestre e indicar, quando houver, se está com vínculo de estágio remunerado em atividade vinculada ao curso de direito.
Em conclusão, reconhece-se que cabia à parte autora, na forma do artigo 373, I, CPC/15, produzir a prova documental quando da apresentação de sua petição inicial (art. 434, CPC/15), sendo lícito apresentar novos documentos “quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos” (artigo 435, caput, CC/02) e, especialmente, cabendo à parte que produzir prova documental de documentos formados após a petição inicial ou contestação ou que se tornaram conhecidos, acessíveis ou disponíveis após esses atos demonstrar o motivo que a impediu de juntá-los anteriormente, incumbindo-se ao juízo, em qualquer caso, avaliar a conduta da parte de acordo com o artigo 5º do CPC/15 (artigo 435, parágrafo único, CPC/15).
Reformando-se a sentença, julga-se, pois, pela procedência parcial dos pedidos iniciais (art. 487, I, CPC/15), estabelecido termo final da obrigação alimentar devida pelo autor-apelante à ré-apelada à data de conclusão do curso superior em direito em que matriculada a ré-apelada, condicionada a manutenção da obrigação alimentar ao êxito, semestralmente aferido, nas disciplinas em que a ré estiver matriculada e à comunicação, em juízo, da existência de seu vínculo em estágio remunerado.
Como não houve condenação ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência em desfavor da parte ré, descabe reapreciar essa temática nessa fase recursal, uma vez que nenhuma das partes interpôs apelo sobre tal capítulo da sentença.
Por tais fundamentos, dá-se parcial provimento ao recurso.
Na hipótese de apresentação de embargos de declaração
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
contra o presente acórdão, ficam as partes intimadas a se manifestar, no próprio recurso, a respeito de eventual oposição ao julgamento virtual, nos termos do artigo 1º da Resolução nº 549/2011 do Órgão Especial deste Egrégio Tribunal, entendendo se o silêncio como concordância.
PIVA RODRIGUES Relator
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Imagem: Freepik
Leia também:
STJ: Prisão por crime não exonera pai de pagar pensão
Valores de horas extras devem integrar cálculo de pensão alimentícia, decide STJ
Juventude, saúde e diploma não afastam obrigação de pensão a ex-cônjuge, diz STJ
0 Comentários