Casal deve indenizar adotada por atos que inviabilizaram a manutenção da adoção, decide STJ
Uma mulher que foi adotada na infância e retornou ao acolhimento institucional na adolescência deverá ser indenizada em R$ 5 mil pelo casal adotante, conforme decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ. Vinda de destituição familiar anterior, ela havia sido adotada aos nove anos de idade por um casal com 55 e 85 anos, que desistiu de levar adiante a adoção e praticou atos que acabaram resultando na destituição do poder familiar.
Apesar de não se descartar a falha do Estado no processo de concessão e acompanhamento da adoção, o Colegiado reconheceu que não é possível afastar a responsabilidade civil dos pais adotivos, os quais criaram uma situação propícia à propositura da ação de destituição do poder familiar pelo Ministério Público, cuja consequência foi o retorno da jovem, então com 14 anos, ao acolhimento institucional.
Em primeira instância, o casal havia sido condenado a pagar R$ 20 mil por danos morais à adotada, além de pensão alimentícia. O Tribunal de segundo grau, porém, reformou a sentença, por entender que não foram demonstrados os requisitos nem para a pensão nem para a obrigação de indenizar.
A Terceira Turma entendeu que a atitude do casal adotante, ao praticar atos que demonstraram sua tentativa de romper os laços criados pela adoção, é passível de condenação por danos morais. No entanto, reduziu o valor da indenização para R$ 5 mil, por reconhecer que, no caso, também houve culpa das instituições estatais.
A ministra Nancy Andrighi explicou que a destituição do poder familiar não afasta a obrigação de que os pais prestem assistência material aos filhos, mas lembrou que a mulher já completou a maioridade civil. Assim, entendeu ser necessário que o caso volte ao Tribunal de origem apenas para averiguar se a mulher ainda necessita da pensão.
Existência de vícios ocultos
Em seu voto, a ministra frisou que “o filho decorrente da adoção não é uma espécie de produto que se escolhe na prateleira e que pode ser devolvido se se constatar a existência de vícios ocultos”. Ressaltou também que era previsível que a criança, diante de seu histórico de vida, demandaria cuidados especiais e diferenciados, ao mesmo tempo em que se poderia imaginar que os adotantes talvez não estivessem realmente dispostos ou preparados para lhe dedicar esse tipo de atenção.
A ministra ponderou que não há impedimento legal para que idosos adotem uma criança, e que é nobre a conduta de, nessa fase da vida, propiciar uma segunda chance a alguém que viveu muito tempo em acolhimento institucional. Mas enfatizou que as dificuldades decorrentes da diferença de gerações, que acabaram contribuindo para o conflito, eram previsíveis.
Falhas estatais
Nancy Andrighi reiterou a importância do trabalho das instituições estatais no sistema de adoção, mas afirmou que a inaptidão dos adotantes era perceptível e ainda assim só foi reconhecida após a conclusão da adoção. De acordo com ela, caso não tivessem ocorrido falhas estatais sucessivas, a criança certamente não seria encaminhada a uma família imprópria para recebê-la.
Reforçou, ainda, que as circunstâncias tratadas na ação mostram como uma política pública e social de tamanha relevância “pode ser sabotada pela realidade e, principalmente, pela falta de adequado manejo das suas ferramentas, da qual resultaram sucessivos e incontestáveis equívocos”.
A magistrada concluiu que problemas assim mostram que as pessoas interessadas em adotar devem agir e pensar com ponderação, para que a decisão seja fruto de convicção e acompanhada de responsabilidade sobre suas consequências. Quanto aos demais participantes do processo de adoção, afirmou que a análise atenta e individualizada de cada caso é essencial para evitar situações como a dos autos.
Responsabilidade civil
A advogada Fernanda Carvalho Leão Barretto, diretora nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, comenta que a decisão vem na esteira de debates contemporâneos sobre desistência no processo de adoção. “Transitado em julgado, se encerrado, não cabe, obviamente, se falar em desistência”, pondera a especialista.
Segundo a advogada, a desistência da adoção é possível no decorrer do processo de adoção. Deste modo, se a desistência acontece no início do processo, não há que se falar em responsabilidade civil, pois é direito do casal ou da pessoa que pretende adotar. “Ainda no início do processo, quando as coisas estão correndo e até mesmo durante o estágio de convivência com a criança, é possível, em regra, desistir, porque o estágio de convivência existe justamente para se verificar se há compatibilidade daquela criança com aquela família. Se essa compatibilidade não existe, é legítimo que o processo se encerre, e que o casal desista de prosseguir.”
Ela explica que, se houver um tempo de convivência muito longo, pode sim se falar de responsabilidade civil. “Se a criança, por exemplo, for colocada em guarda provisória da família, o que muitas vezes acontece ao final do estágio de convivência, e se durante essa guarda provisória, a criança conviveu muito intensamente com a família e depois os pais desistem, isso pode gerar danos psíquicos e morais que podem eventualmente ser indenizados.”
“No caso em tela, o que acontece é uma adoção já consumada, na qual os pais, por não quererem permanecer sendo pais, provocaram atos que geraram o pedido do Ministério Público de suspensão do poder familiar”, pontua a especialista. Para Fernanda, a decisão do STJ foi correta no sentido da indenizabilidade dos danos causados a essa filha.
A advogada pondera que, embora possa ter havido falha do Estado no monitoramento de todo o processo de adoção, não há, a priori, uma responsabilidade solidária do Estado com os pais, porque os danos foram efetivamente praticados pelos pais. “Ademais, a responsabilidade estatal, prevista no artigo 37 da Constituição Federal, é em regra, por atos comissivos. Então, não haveria nenhum ato comissivo que teria gerado esse dano praticado por parte do Estado, mas talvez uma omissão em tutelar melhor todo o processo de adoção, em promover uma efetiva adequação dessa criança ao longo do processo”, frisa a advogada.
Fonte: IBDFAM (com informações do STJ) Imagem de khamkhor por Pixabay
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