Empresa deve indenizar funcionária em R$ 20 mil; juíza citou “racismo recreativo”
A 27ª Vara do Trabalho de São Paulo condenou uma empresa de comunicação a pagar R$ 20 mil a título de danos morais para uma publicitária que relatou ter sofrido diversos constrangimentos por parte dos chefes. Na sentença, a juíza usou a expressão “racismo recreativo”, cunhada pelo professor Adilson Moreira, doutor em direito antidiscriminatório pela Universidade de Harvard, para representar uma conduta que reproduz estigmas raciais que legitimam uma estrutura social discriminatória por meio do humor.
A profissional afirma que em uma reunião virtual da equipe da profissional, a supervisora abriu o encontro afirmando: “Estou com vontade de ver todo mundo e em breve irei marcar uma reunião para ver o rosto de todos. Quero ver se fulano cortou o cabelo e se a profissional continua preta”.
Conforme consta nos autos, após o ocorrido passaram a circular mensagens nos grupos de WhatsApp da empresa e, em menos de dois meses, a profissional foi dispensada. Antes do desligamento, cobrou providências do dono da empresa, mas o assunto sequer chegou a ser tratado no canal de comunicação dos funcionários.
A publicitária alegou ainda que em outra ocasião, a superior hierárquica havia elogiado os cabelos lisos e loiros de clientes, depreciando seu cabelo “da Etiópia”. Tal fato, porém, não foi provado.
Microagressões
Na sentença, a juíza replicou o trecho de uma entrevista de Adilson Moreira para a Revista Carta Capital, na qual o professor explicou os conceitos de racismo recreativo e microagressão.
“O racismo recreativo existe dentro de uma nação altamente hierárquica e profundamente racista que formulou uma narrativa cultural de cordialidade racial. Ele reproduz estigmas raciais que legitimam uma estrutura social discriminatória, ao mesmo tempo que encobre o papel essencial da raça na construção das disparidades entre negros e brancos”, afirmou o professor.
Já o conceito de microagressão, segundo ele, “designa uma série de atos e falas que expressam desprezo ou condescendência por membros de grupos minoritários. Eles diferem de formas tradicionais de discriminação baseadas na intenção aberta de ofender e marginalizar porque podem ser conscientes ou inconscientes, podem ocorrer sem violar normas jurídicas, podem ser produto da ausência de visibilidade de grupos minoritários.”
A magistrada reconheceu que a situação é exemplo de um padrão comportamental enraizado e naturalizado que precisa ser combatido e revisto, cabendo a fiscalização ao empregador no ambiente de trabalho, sob pena de conivência. “Causa espanto ao Juízo que justamente em uma empresa de comunicação, que se diz atenta e preocupada com a questão da inclusão e da diversidade, um fato como esse tenha sido banalizado e minimizado.”
Deste modo, determinou além do pagamento de R$ 20 mil por danos morais, 10% sobre o valor bruto da condenação em honorários sucumbenciais. A magistrada ainda expediu ofícios ao Ministério Público Estadual para eventual apuração de crime resultante de preconceito por parte da supervisora, e ao Ministério Público do Trabalho, para possível ajuizamento de ação coletiva resultante do ilícito e para prevenir condutas semelhantes pela reclamada.
No último dia 13, as partes entraram em acordo no valor total de R$ 18 mil (sendo R$ 16 mil de danos morais e R$ 2 mil de honorários advocatícios) e requereram a dispensa de envio dos ofícios mencionados.
Fonte: IBDFAM (com informações do Migalhas) Foto meramente ilustrativa – (UberImages/Thinkstock)
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