Especialista examina a Lei do Acompanhante e os direitos das gestantes

Lei do Acompanhante

Vigente na legislação brasileira desde 2005, a Lei do Acompanhante (11.108/2005) garante às parturientes o direito de ter um acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. A recente prisão em flagrante de um médico anestesiologista pelo estupro de uma mulher durante o parto colocou em xeque a efetividade da norma e alimentou debates sobre a violência contra a mulher e a cultura do estupro.

No caso em questão, a instituição de saúde informou, por meio de nota, que a paciente estava acompanhada do marido para o procedimento. Conforme o texto, foi após o nascimento do bebê, quando o pai deixou o centro cirúrgico para acompanhar a criança até o berçário, que o médico cometeu o abuso.

A legislação brasileira determina que a gestante indique o acompanhante, seja o pai do bebê, o parceiro atual, a mãe, um(a) amigo(a), ou outra pessoa de sua escolha. A parturiente também pode optar por não ter acompanhante.

Em 2021, segundo ano de pandemia da COVID-19, a Organização Mundial da Saúde – OMS emitiu uma recomendação para salientar que todas as gestantes, mesmo aquelas com suspeita ou confirmação de infecção pelo vírus, têm o direito de um acompanhante de sua escolha, antes, durante e após o parto.

A advogada Adélia Pessoa, presidente da Comissão Nacional de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, entende que, atualmente, o maior desafio no Brasil é garantir a efetividade dos direitos. “Fazer valer a Constituição e as leis que beneficiam a sociedade, sem o que não se poderá alcançar os objetivos fundamentais da República.”

A advogada cita trecho do poeta Carlos Drummond de Andrade: “As leis não bastam, os lírios não nascem das leis”. Segundo ela, para que se tenha lírios, é preciso cultivá-los.

“O cultivo precisa ser feito não só por pessoas investidas de poder estatal, mas também por entidades da sociedade civil e por todas as pessoas que aspiram a um mundo melhor, já que as leis não bastam, por si só, para a efetivação dos direitos nas relações sociais”, acrescenta a especialista.

Reconhecimento de direitos

De acordo com Adélia, é necessário não apenas o reconhecimento de direitos nas normas jurídicas. “Para o acesso aos direitos é fundamental, mas não suficiente, o aspecto normativo-formal, que se caracteriza pelo reconhecimento dos direitos pelo Estado e sua formalização em normas.”

“Há necessidade de mecanismos e estratégias para tornar o acesso formal em acesso real, com sua efetividade por meio de políticas públicas consistentes, para que estes direitos cheguem a todas as pessoas. Imprescindíveis, ainda, a informação e conhecimento dos direitos para que cada pessoa se reconheça como sujeito de direitos e consiga acionar as leis em sua proteção”, comenta a advogada.

A especialista frisa que o direito do acompanhante é direito subjetivo da parturiente. “Direito subjetivo de alguém é o direito de agir e exigir que se atenda ao que está previsto na lei, para dado fato jurídico, ou relação jurídica.”

“Assim, em vista de ocorrência de um parto, a gestante tem o direito de agir e exigir que se proceda nos ditames da lei. Pode ser por meio de uma ação judicial, mas existem possibilidades de se reclamar no Ministério Público, nos Conselhos de Direitos Municipais/ Estaduais/Nacional, tanto de direitos da mulher como de Saúde e de Assistência Social, sobre o não cumprimento da Lei do Acompanhante”, explica Adélia Pessoa.

Ela complementa: “A Comissão de Gênero e Violência Doméstica do IBDFAM, capilarizada em vários estados brasileiros, tem sido também um canal para reivindicações de mulheres que têm seus direitos violados. Temos acompanhado alguns casos em que havia negativa de admissão de acompanhante, devidamente solucionados extrajudicialmente”.

Políticas públicas

Adélia lembra que, conforme a Constituição de 1988, o Ministério Público deve atuar como defensor, por excelência, da sociedade e do povo, no que diz respeito aos direitos e interesses coletivos, difusos, individuais indisponíveis e sociais. Ressalta que o MP é órgão legitimado a provocar a intervenção do Judiciário, quando não obtiver pela via extrajudicial a adoção dos procedimentos e medidas necessárias.

Nesses casos, acrescenta a especialista, o Poder Judiciário pode intervir para garantir a implementação de serviços dignos e adequados de proteção às gestantes e parturientes. “Os Conselhos de Direitos, órgãos colegiados deliberativos, representativos da sociedade, de caráter permanente, são também um canal para monitoramento do cumprimento dos direitos.” 

“Vale lembrar que, a partir da Constituição Federal de 1998, adotou-se no Brasil uma perspectiva de democracia representativa e participativa, incorporando a participação da comunidade. Entre os mecanismos adotados de representatividade popular, os Conselhos de Direitos destacam-se como mecanismos para efetivar a participação da sociedade civil nos processos de planejamento, monitoramento e avaliação das políticas públicas”, aponta Adélia.

A advogada destaca que “a conduta criminosa, cruel e carente de ética, flagrada em uma maternidade no momento pós-parto, deve servir de motor para reflexões e ações que devem permear a educação como um todo”. Pontua que os cursos da área de saúde precisam incluir uma sólida formação ética e de direitos de pacientes, de direitos humanos em geral, “não só teórica, mas também prática, além de cursos de ingresso e formação continuada de profissionais de saúde”.

“São várias as medidas que precisam ser tomadas pelos órgãos de controle interno das maternidades, além de fiscalizações constantes por parte dos órgãos públicos e entidades competentes, com avaliação e monitoramento, incluindo a escuta de profissionais e usuárias dos serviços. E quanto às usuárias é fundamental que sejam bem orientadas no pré-natal sobre seus direitos, sugerindo que tenham realmente acesso a cartilhas adequadas com debates sobre gravidez, parto e pós-parto”, afirma.

Caderneta da gestante

A presidente da Comissão Nacional de Gênero e Violência Doméstica do IBDFAM avalia que a “Caderneta da Gestante”, recentemente alterada e publicada pelo Ministério da Saúde, mereceu críticas de vários segmentos, “com diversas notas de repúdio de entidades representativas de profissionais de saúde, usuárias e comunidade científica sobre os retrocessos contidos na 6ª edição”. Cita, entre eles,  o incentivo à episiotomia, manobra de Kristeller, ausência de plano de parto, incentivo ao parto cesáreo, e a utilização da amamentação como método contraceptivo.

Ela lembra que o Conselho Nacional de Saúde expediu a Recomendação nº 12/2022, que “Recomenda a revogação da Portaria MS nº 715/2022, que altera a Portaria de Consolidação GM/MS nº 3, de 28 de setembro de 2017 e a revogação da 6ª edição da Caderneta da Gestante, do Ministério da Saúde”.

Para Adélia Pessoa, as ocorrências evidenciam um “momento histórico que toda a sociedade deve ficar atenta para que não prosperem mais retrocessos nas políticas públicas de atenção aos direitos sexuais e reprodutivos da mulher brasileira”.

Denuncie

As denúncias de violência obstétrica podem ser feitas no hospital em que a gestante foi atendida, junto ao serviço de saúde ou junto aos conselhos de classe de Medicina e Enfermagem. As vítimas também podem denunciar pelo telefone 136 – Disque Saúde, da Ouvidoria do Ministério da Saúde.

Fonte: IBDFAM – Imagem:  por Amina Filkins no Pexels

indicador laranja apontando

Leia também:

Comissão aprova criação de programas de assistência a gestantes e à primeira infância

Grávida impedida de trabalhar em home office durante a pandemia será indenizada em Minas Gerais

Proposta na Câmara permite que a criação de filho conte tempo para aposentadoria

Juíza anula dispensa por justa causa após licença-maternidade

0 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Enviar Mensagem!
Estamos Online!
Olá! Contate-nos!