Ex-esposa não deve ser beneficiária de previdência privada; valores serão divididos entre companheira e filhos, determina TJSP
Uma ex-esposa deve ser excluída dos beneficiários de previdência contratada pelo ex-marido quando eles ainda eram casados. A entidade previdenciária deverá dividir o valor do pecúlio entre a viúva, companheira do falecido desde 2014, e os dois filhos, um deles fruto da primeira união. A decisão unânime é da 25ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP.
Vítima da Covid-19 em 2020, o homem contratou plano de previdência privada em 2001, quando ainda estava casado. O divórcio só ocorreu em 2010. Quatro anos depois, ele registrou união estável com a autora da ação, com quem teve uma filha, e manifestou expressamente, na época, sua vontade de que todos os pecúlios ficassem a favor da então companheira.
Na divisão dos valores previdenciários determinada em primeira instância, contudo, a ex-esposa do contratante foi incluída no rol dos beneficiários, por ainda constar nos contratos e termos da previdência privada. As autoras da ação, na qualidade de companheira e filha, por força da união estável, tiveram a legitimidade para pleitear a indenização relativa ao pecúlio por morte, no entendimento da relatora do recurso, a desembargadora Carmen Lucia da Silva.
A magistrada levou em consideração a declaração de vontade expressa pelo falecido, “sendo de rigor a exclusão da ex-esposa do rol de beneficários”. A decisão ainda ressaltou que o falecido declarou, junto ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, que ambas eram suas dependentes. O julgamento também teve participação dos desembargadores Almeida Sampaio e Marcondes D’Angelo.
Realidade familiar prevaleceu na interpretação do negócio jurídico
Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o advogado e professor Ricardo Calderón diz que a decisão do TJSP demonstra a imbricação entre as regras de Direito das Famílias e das Sucessões com as regras contratuais de previdência privada. Prevaleceu, ao final, a realidade fática mantida pelo falecido na época da morte.
“A nova situação fática, com a nova companheira, acabou por incidir na interpretação dada ao caso concreto pelo Poder Judiciário, em atenção às regras sucessórias. Isso demonstra que, sim, as realidades familiares são relevantes na interpretação dos negócios jurídicos de previdência privada”, destaca Ricardo Calderón.
A opção dos desembargadores foi privilegiar não apenas os filhos do falecido, mas também a companheira supérstite. “O entendimento foi de que ela deveria ser beneficiada por essa previdência privada, ainda que não constasse expressamente no contrato, já que este ainda fazia referência à ex-esposa.”
O julgado mostra que a proteção à união estável cada vez mais se equipara àquela conferida ao casamento civil. “Levou em conta a autonomia privada do contratante, já que ele manifestou expressamente sua vontade de que todos seus pecúlios restassem em favor da companheira. Respeitou ainda o comando de solidariedade familiar, a proteção dos entes com os quais o ente falecido travava relações de afetividade, seja de parentalidade ou de conjugalidade.”
Liquidez dos relacionamentos e necessidade de planejamento
Segundo Ricardo Calderón, a discussão revela outra característica que ganhado destaque em processos do estilo. “Com a liquidez dos relacionamentos familiares na contemporaneidade, é normal que as pessoas venham a ter relacionamentos subsequentes, de casamento ou união estável”, inicia.
“Logo, essa fluidez de relacionamentos afetivos muitas vezes vão impactar regimes previdenciários. Por isso, é importante que as pessoas atentem para as consequências de que as modificações em sua vida afetiva possam vir a ter nos seus contratos, sejam bancários, de pecúlio, previdência e seguros”, alerta o especialista.
Alterações como divórcio e o surgimento de união estável, como no caso, podem alterar sobremaneira o enquadramento de beneficiários. “Diante da ausência de regramento específico que preveja todas as consequências de cada alteração fático-familiar, todos devem estar atentos a modificações que mereçam ajustamento em contratos para que atendam à nova situação fática.”
O fenômeno evidencia necessidade de planejamento para que todas as questões sejam previstas, externadas e aclaradas. “O que se aconselha é que todos procurem, sempre que possível, profissionais especializados em Direito de Família e de Sucessões para que efetivamente coloquem em prática um planejamento patrimonial e sucessório. Essas previsões contratuais permitidas pela nossa legislação podem facilitar situações como essas e podem trazer segurança jurídica para todos os envolvidos, evitando longos processos e discussões judiciais.”
Fonte: IBDFAM (com informações do TJSP) – Imagem: por thatsphotography/Pixabay
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