Filha consegue na Justiça de Goiás reconhecimento de dupla maternidade post mortem

reconhecimento de dupla maternidade

Uma mulher conseguiu na Justiça de Goiás o reconhecimento de sua filiação socioafetiva. Desde a morte da mãe adotiva, em 2006, ela passou a ser criada pela companheira sobrevivente. Após a morte desta, em 2017, a filha buscou a retificação de seu registro civil para que constasse a dupla maternidade. A decisão favorável é da 2ª Vara de Família da Comarca de Goiânia.

Na ação declaratória de reconhecimento de maternidade socioafetiva post mortem com retificação de registro civil, a autora sustentou que, ainda recém-nascida, foi adotada por uma mulher. Esta, a partir de 1987, passou a viver em união estável homoafetiva. Com o falecimento da mãe adotiva, a companheira ajuizou ação de reconhecimento da união estável post mortem, julgado procedente em 2007.

Na sentença, o juiz determinou a averbação no assento de nascimento para inclusão do nome da mãe socioafetiva e respectivos avós, com a expedição do correspondente mandado ao cartório de registro civil competente. Destacou que a filiação socioafetiva, sob o aspecto sociológico, direciona-se para a efetiva convivência, com características de afeto, respeito e demais direitos e deveres na ordem familiar.

“Para essa nova definição de paternidade/maternidade, pai ou mãe não é apenas a pessoa que gera e que detém vínculo genético com a criança. Ser pai ou mãe, antes de tudo, é ser a pessoa que cria, instrui, ampara, dá amor, carinho, proteção, educação, dignidade, enfim, a pessoa que realmente exerça funções próprias de pai ou mãe em atendimento ao melhor interesse da criança”, ressaltou o magistrado.

Ele declarou que não foi possível saber ao certo se a falecida efetivamente tinha o desejo de adotar ou de ter a maternidade reconhecida judicialmente. Entretanto, ficou claro que a relação estabelecida com a autora foi de mãe e filha, Assim expôs em suas razões quando buscou o reconhecimento da união estável com a mãe adotiva após a morte desta.

Novos modelos de família

Para a advogada Marlene Moreira Farinha Lemos, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família seção Goiás – IBDFAM-GO, a decisão, que reconheceu a maternidade socioafetiva e determinou a inclusão da companheira como segunda mãe após a morte desta, retrata “a aspiração fática vivenciada pelo novo modelo de família na sociedade atual”.

“A concretude que se efetivou a essa situação fática vivenciada por duas mulheres em união estável teve no centro a criação de uma criança. Retrata mais uma faceta das diversas formas que se estrutura uma família, quebrando paradigmas da forma tradicional propugnada pelo texto constitucional e infralegal, rompendo todo e qualquer preconceito, quase sempre arraigado em dogmas, que são suplantados por ideais de liberdade na forma de relacionar e conviver”, destaca Marlene.

Para a advogada, a sentença deve ser celebrada. “É fato que não conhecemos, nesse campo das múltiplas relações familiares, os limites de se relacionar, mas temos a certeza de que outras realidades fáticas estão por vir. Que vença sempre o afeto e o amor”, ressalta a especialista.

Vitória é de toda sociedade, diz especialista

A sentença foi noticiada em junho, em meio às celebrações do Dia do Orgulho LGBTI, lembrado na última segunda-feira (28). “Essa decisão não dá força e crédito apenas a um determinado segmento social, como LGBTI, na sua luta cotidiana, mas reflete em todas as classes sociais que lutam por reconhecimentos de suas aspirações. A vitória é da sociedade como um todo, reforça os ideais de liberdade, que é a bandeira de todos”, defende Marlene Lemos.

Segundo a presidente do IBDFAM-GO, a entidade família, a partir do século XX, começou a experimentar uma revolução de ideias de conviver, antes quase sempre reprimidas por convenções. “O que se vivencia hoje nada mais é do que a explosão de amarras, mordaças de regramentos fincados em dogmas, que hoje não podem ser mais concebidos como imutáveis. A relatividade chegou à instituição família, talvez a mais reprimida ao longo da existência humana.”

“Então, decisões como essa proferida por uma Vara de Família, que cuida, notadamente, desse segmento, vêm comprovar a velocidade com que esses paradigmas estão sendo, paulatinamente, sendo questionados em face da relatividade do absolutismo de conceitos e concepções, que o tempo e os ideais não encontram barreiras. A família experimenta mais uma vitória, e como dito, que vença sempre o afeto e o amor”, conclui a advogada.

Fonte: IBDFAM (com informações do TJGO) – Imagem por Anna Shvets no Pexels

indicador laranja apontando

Leia também:

Bens, Herança e Planejamento

Justiça de Alagoas garante registro de dupla maternidade em caso de inseminação caseira

STJ mantém decisão que impede herdeiras de cobrar aluguel da companheira sobrevivente

STJ considera companheira como única herdeira; partilha foi anulada por falta de citação da mulher no processo

0 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Enviar Mensagem!
Estamos Online!
Olá! Contate-nos!