Homem agredido por vizinhos por ser homossexual consegue medida protetiva com aplicação da Lei Maria da Penha
Um homem homossexual agredido por seus vizinhos de condomínio conseguiu na Justiça medidas protetivas com a aplicação da Lei Maria da Penha (11.340/2006). O entendimento da 10ª Vara Criminal de Manaus é de que a norma protege grupos vulneráveis e os episódios relatados em ambiente condominial podem ser comparados à violência doméstica.
De acordo com os autos, o homem foi ofendido por sua orientação sexual, chamado de “bichinha” e “viadinho” pelos vizinhos. Posteriormente, foi agredido fisicamente com empurrões e golpes na cabeça, o que gerou hematomas. A defesa apontou crime de homofobia, com atitudes que “não podem ser toleradas nos dias atuais”.
Em sua análise do caso, o juiz Áldrin Henrique de Castro Rodrigues ponderou que, embora a Lei Maria da Pena não seja aplicável a casos como este, a mesma legislação surgiu por necessidade de dar segurança à mulher vítima de violência doméstica e familiar. Para o magistrado, outros grupos vulneráveis também devem ser considerados.
Ele ressaltou ainda que a lei é aplicável, inclusive, em casos de violência que envolvem vizinhança. “Nada impede que o magistrado amplie o alcance da Lei de Violências, não para aplicá-la na integralidade, mas apenas na parte que determina que se evite novos ilícitos ou potenciais desarmonias nas relações entre vizinhos, como no caso em apreço.”
Com aplicação da Lei Maria da Penha, o juiz proibiu que os vizinhos mantenham contato, presencial ou virtual, e se aproximem da vítima e de seus familiares, fixando o limite de 300 metros de distância. A advogada Adriane Magalhães atuou pela vítima.
Agressões entre vizinhos não configuram violência doméstica, diz especialista
“Há de se considerar no mínimo corajosa a decisão do magistrado de Manaus, ainda que as relações entre vizinhos de condomínio não configure violência doméstica”, comenta a advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Ela discorda do enquadramento da penalização no âmbito da Lei Maria da Penha.
“Os vizinhos, por mais próximos que sejam, não constituem uma entidade familiar ou mantêm esses vínculos como se de parentesco fosse. Sou favorável à aplicação da Lei Maria da Penha, importante ressaltar, no âmbito das relações familiares dos vínculos homoafetivos, mesmo entre dois homens.”
Ela explica que o Código de Processo Penal – CPP, em seu artigo 319, dispõe sobre medidas cautelares diversas da prisão, entre elas: “proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante”.
Autora do recém-lançado livro “Lei Maria da Penha na Justiça” (Editora Juspodivm), a especialista pontua: “Em razão do sucesso da Lei Maria da Penha, a legislação penal permite aplicação de medidas protetivas também no âmbito de outros delitos. Em razão disso, temo que essa decisão do magistrado não seja confirmada pelo Tribunal.”
Equiparação ao crime de racismo
Outro caminho, segundo Maria Berenice Dias, seria a aplicação da decisão do Supremo Tribunal Federal – STF, que equiparou a homotransfobia ao crime de racismo na decisão proferida em junho de 2019. O julgamento, passo histórico na luta pela população LGBTQIA+ no Brasil, teve o IBDFAM como amicus curiae.
“Os atos praticados pelos vizinhos foram de homofobia, o que caberia a aplicação da Lei do Racismo (7.716/1989) em face da decisão do STF, que determinou essa aplicação diante da omissão do legislador. Esse seria o enquadramento mais adequado nessa relação de agressões entre vizinhos.”
Ela destaca a necessidade de uma lei específica para proteger essa população. “Existe uma lacuna legislativa em relação a tudo que diz respeito às pessoas LGBTQIA+ no Brasil. Um importante passo seria a aprovação do Estatuto da Diversidade Sexual e Gênero (PLS 134/2018), que foi encaminhado e está no Congresso, apresentado juntamente com o IBDFAM, por iniciativa popular com 100 mil assinaturas.”
Fonte: IBDFAM (com informações do Migalhas) Imagem de PublicDomainPictures por Pixabay
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