Irmãos que praticaram assédio jurídico contra vítima de violência doméstica são condenados por litigância de má-fé
Em processos distintos no Alagoas, dois irmãos foram condenados por litigância de má-fé ao praticarem assédio jurídico contra uma vítima de violência doméstica. Para o juiz responsável pelo caso, os irmãos pretendiam constranger a vítima e inverter a culpa.
Conforme consta nos autos, um policial militar entrou com ação de indenização por danos morais contra a vítima, com quem foi casado. Alegou que a ex-companheira veiculou vídeo para a imprensa com o intuito de difamar sua imagem.
No vídeo, o homem proferia ameaças contra a vítima enquanto conversavam ao telefone. As notícias, no entanto, foram divulgadas com o nome do irmão, que tem nome similar e também entrou com pedido de indenização.
Segundo a mulher, o ex-companheiro tinha a intenção de desviar o foco da ação de violência doméstica que responde em Sergipe, na tentativa de incomodar e continuar a violência. Ela defendeu que, quando a matéria foi ao ar, houve erro de grafia e, apesar de aparecer o nome do irmão, as imagens veiculadas foram as do policial militar.
Pretensão descabida
Para o juiz José Eduardo Nobre Carlos, do Juizado Especial de Penedo, é descabida a pretensão de que o autor de violência doméstica obtenha indenização por fato que o mesmo provocou, sob pena de se prolongar a agressão contra a vítima e de perpetuar a violência contra a mulher. “A gravação se mostrou suficientemente necessária, a fim de comprovar a violência doméstica que vinha sofrendo a vítima.”
O magistrado afirmou que a condenação por litigância de má-fé resta clara e necessária, pois o autor propôs a ação de reparação de danos para inverter a culpa a qual somente ele deu causa. Destacou, ainda, que o assédio jurídico configura violência psicológica, prevista na Lei Maria da Penha (11.340/2006).
“A hipótese dos autos é de um claro assédio jurídico, no intuito de retaliação contra a ré. Nesse sentido, o irmão do autor, com os mesmos patronos do autor, propôs semelhante e descabida demanda indenizatória contra a mesma,” anotou o juiz.
O ex-companheiro foi condenado em 10% sobre o valor atualizado da causa. Ambos os irmãos deverão pagar ainda as custas processuais e os honorários advocatícios, no patamar de 20% do valor atualizado da causa.
Marco para o Direito das Mulheres
Para a advogada Anne Caroline Fidelis, presidente da Comissão de Violência de Gênero da seção Alagoas do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM-AL, a decisão representa um marco para o Direito das Mulheres. “Esse tipo de assédio jurídico ocorre com muita frequência e vem-se perpetuando ao longo da história, pois a tentativa de inversão da ‘culpa’ é um subterfúgio que os agressores comumente tentam utilizar.”
Segundo a especialista, a inversão da culpa banaliza a violência contra a mulher ao promover a sensação de que está tudo bem culpá-la pela agressão sofrida. “Acredito que essa decisão abre precedentes para reforçar os direitos humanos das mulheres”, afirma Anne.
Anne explica que o assédio jurídico pode ser considerado violência psicológica. Ela cita o artigo 147-B da Lei 14.188/2021, que tipifica esse tipo de violência como o ato de “causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação”.
“É considerado violência psicológica contra a mulher todo e qualquer ato que vise, de forma direta e/ou indireta, causar danos emocionais, interferindo, assim, em seu desenvolvimento mental, emocional, em suas ações, decisões e sua liberdade. Desse modo, compreendo que o assédio jurídico no referido caso pode ser considerado, sim, como violência psicológica, uma vez que o ajuizamento de ação de indenização dos dois irmãos tinha como principal finalidade perpetuar a violência deferida contra a ex-mulher, causando imensos danos emocionais, seja prejudicando, seja perturbando a vida da mesma. Caracteriza, ainda, o uso da litigância de má-fé por ambos, uma vez que utilizaram determinada situação para tentar inverter a culpa no referido processo”, detalha a advogada.
Anne conclui que o ajuizamento das duas ações ocasiona “a tentativa de perpetuação da violência a qual a mulher era submetida”.
Processos 0700985-12.2021.8.02.0049 e 0700381-24.2021.8.02.0349.
Fonte: IBDFAM (com informações do TJAL) Imagem por Gryffyn M no Pexels
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