STJ: União estável – regime de bens definido em escritura pública não retroage
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES. OMISSÕES E CONTRADIÇÕES. INOCORRÊNCIA. QUESTÕES EXAMINADAS E COERENTEMENTE FUNDAMENTADAS. ERRO, FRAUDE, DOLO OU SUB-ROGAÇÃO DE BENS PARTICULARES. QUESTÃO NÃO RECONHECIDA PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. FORMALIZAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL. DESNECESSIDADE. CARACTERIZAÇÃO QUE INDEPENDE DE FORMA. EFEITOS PATRIMONIAIS DA UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DE BENS. APLICABILIDADE DA REGRA DO ART. 1.725 DO CC/2002 E DO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL, NA AUSÊNCIA DE DISPOSIÇÃO EXPRESSA E ESCRITA DAS PARTES. SUBMISSÃO AO REGIME DE BENS IMPOSITIVAMENTE ESTABELECIDO PELO LEGISLADOR. AUSÊNCIA DE LACUNA NORMATIVA QUE SUSTENTE A TESE DE AUSÊNCIA DE REGIME DE BENS. CELEBRAÇÃO DE ESCRITURA PÚBLICA DE INCOMUNICABILIDADE PATRIMONIAL COM EFICÁCIA RETROATIVA. IMPOSSIBILIDADE, POIS CONFIGURADA A ALTERAÇÃO DE REGIME COM EFICÁCIA EX-TUNC, AINDA QUE SOB O RÓTULO DE MERA DECLARAÇÃO DE FATO PRÉ-EXISTENTE.
1- Os propósitos recursais consistem em definir, para além da alegada negativa de prestação jurisdicional: (i) se houve erro, fraude, dolo ou aquisição de bens particulares sub-rogados e de efetiva participação da companheira; (ii) se a escritura pública de reconhecimento de união estável e declaração de incomunicabilidade de patrimônio firmada entre as partes teria se limitado a reconhecer situação fática pretérita, a existência de união estável sob o regime da separação total de bens, e não a alterar, com eficácia retroativa, o regime de bens anteriormente existente.
2- Inexistem omissões e contradições no acórdão que examina amplamente,tanto no voto vencedor, quanto no voto vencido, todas as questões suscitadas pelas partes.
3- Dado que o acórdão recorrido não reconheceu a existência de erro, fraude ao direito sucessório, dolo ou aquisição de patrimônio por meio de bens particulares sub-rogados e de efetiva participação da companheira, descabe o reexame dessa questão no âmbito do recurso especial diante da necessidade de novo e profundo reexame dos fatos e das provas, expediente vedado pela Súmula 7/STJ.
4- Conquanto não haja a exigência legal de formalização da união estável como pressuposto de sua existência, é certo que a ausência dessa formalidade poderá gerar consequências aos efeitos patrimoniais da relação mantida pelas partes, sobretudo quanto às matérias que o legislador, subtraindo parte dessa autonomia, entendeu por bem disciplinar.
5- A regra do art. 1.725 do CC/2002 concretiza essa premissa, uma vez que o legislador, como forma de estimular a formalização das relações convivenciais, previu que, embora seja dado aos companheiros o poder de livremente dispor sobre o regime de bens que regerá a união estável, haverá a intervenção estatal impositiva na definição do regime de bens se porventura não houver a disposição, expressa e escrita, dos conviventes acerca da matéria.
6- Em razão da interpretação do art. 1.725 do CC/2002, decorre a conclusão de que não é possível a celebração de escritura pública modificativa do regime de bens da união estável com eficácia retroativa, especialmente porque a ausência de contrato escrito convivencial não pode ser equiparada à ausência de regime de bens na união estável não formalizada, inexistindo lacuna normativa suscetível de ulterior declaração com eficácia retroativa.
7- Em suma, às uniões estáveis não contratualizadas ou contratualizadas sem dispor sobre o regime de bens, aplica-se o regime legal da comunhão parcial de bens do art. 1.725 do CC/2002, não se admitindo que uma escritura pública de reconhecimento de união estável e declaração de incomunicabilidade de patrimônio seja considerada mera declaração de fato pré-existente, a saber, que a incomunicabilidade era algo existente desde o princípio da união estável, porque se trata, em verdade, de inadmissível alteração de regime de bens com eficácia ex tunc.
8- Na hipótese, a união estável mantida entre as partes entre os anos de 1980 e 2015 sempre esteve submetida ao regime normativamente instituído durante sua vigência, seja sob a perspectiva da partilha igualitária mediante comprovação do esforço comum (Súmula 380/STF), seja sob a perspectiva da partilha igualitária com presunção legal de esforço comum (art. 5º, caput, da Lei nº 9.278/96), seja ainda sob a perspectiva de um verdadeiro regime de comunhão parcial de bens semelhante ao adotado no casamento (art. 1.725 do CC/2002). 9- Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
(STJ – REsp: 1845416 MS 2019/0150046-0, Relator: Ministra Nancy Andrighi , Data do julgamento:17/08/2021)
Fonte: Superior Tribunal de Justiça (STJ) Imagem: Reprodução internet.
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