O que acontece com as crianças que sofrem violência infantil?
Maltratar uma criança é arrancar-lhe a inocência da alma e estilhaçar o seu futuro, porque na sua mala carregará as consequências do abuso impressas a tinta de fogo no seu cérebro. Como disse Mirko Badiale: “toda criança deveria ter uma placa que dissesse: trate com cuidado, ela contém sonhos”.
Crianças e adolescentes são uma população propensa ao transtorno de estresse pós-traumático, especialmente se tiverem sido expostos a eventos altamente estressantes ou traumáticos. Atualmente, estima-se que três quartos da população infantil tenha vivenciado eventos passíveis de causar TEPT, como a violência infantil. Dessas crianças expostas, apenas um terço desenvolve TEPT. O que acontece com crianças maltratadas?
Sabe-se que a violência infantil pode alterar o processo de neurodesenvolvimento e modificar a forma como o cérebro da criança amadurece. Isso pode produzir déficits cognitivos que podem persistir na vida adulta e são caracterizados por problemas de atenção, memória, linguagem ou desenvolvimento intelectual.
Violência infantil
A violência infantil é definida como qualquer ato que viole os direitos da criança. Entre os diferentes tipos de abuso, César Carvajal distingue:
- A violência sexual é qualquer tipo de atividade sexual com um menor em que o agressor esteja em posição de poder e o menor se envolva em atos que estão além de sua compreensão e vontade.
- A violência física é definida como qualquer ação intencional de um adulto que resulte em dano físico, lesão ou doença a uma criança.
- A violência emocional é freqüentemente realizada por meio de insultos, críticas permanentes, ridicularização, rejeição, ameaças ou bloqueio constante das iniciativas das crianças.
- A violência por abandono ou negligência refere-se a situações em que os pais ou cuidadores primários, estando no seu dever de o fazer, se abstêm de prestar os cuidados e a proteção de que a criança necessita para o seu bom desenvolvimento.
“Os maus-tratos na infância têm consequências a longo prazo, em termos de aumento da psicopatologia na idade adulta: depressão, transtornos de ansiedade, transtornos graves de personalidade, abuso de substâncias, transtornos alimentares, somatização e TEPT.” -Carvajal-
Os efeitos da violência infantil
Vamos rever algumas pinceladas da neuropsicologia da criança maltratada. O maltrato em idade precoce pode causar consequências psicológicas e neurológicas irreversíveis. Isso ocorre porque a infância é o período em que o cérebro mais se desenvolve. No entanto, também é verdade que seu desenvolvimento continua a ocorrer durante a adolescência e até na idade adulta.
“De modo geral, a violência infantil causa, entre outros efeitos, alta mortalidade e morbidade, pois estima-se que mais de 10% dos casos de crianças com retardo mental ou paralisia cerebral seja decorrente de abuso.”
-Mesa-Gresa-
Em situações de violência, os mecanismos de resposta ao estresse são ativados e, consequentemente, produzem alterações cerebrais adversas, entre as quais foram identificadas (Mesa-Gresa, 2011):
- Perda acelerada de neurônios.
- Atrasos na mielinização. A mielina é uma substância que reveste certos neurônios e que, entre outros fatores, favorece a condução do impulso nervoso.
- Anormalidades no desenvolvimento da poda neuronal, ou seja, nos processos naturais de criação e destruição dos neurônios.
- Inibição da neurogênese, ou seja, inibição do nascimento de novos neurônios.
Como resultado do exposto, ocorrem alterações nas funções cerebrais, principalmente nas áreas do cérebro relacionadas à regulação das funções executivas.
“Portanto, maus-tratos, violência e negligência na infância podem ser considerados como agentes que interrompem o desenvolvimento normal do cérebro e que, dependendo da idade de início e da duração do abuso, podem até produzir alterações consideráveis em algumas áreas do cérebro.
-Mesa-Gresa-
Hipocampo
O hipocampo está relacionado com a memória de longo prazo e a memória declarativa, ou seja, com a memória dos eventos que acontecem conosco. O estresse na primeira infância pode alterar a estrutura do hipocampo. A hipótese é que altos níveis de estresse na infância poderiam reduzir seu volume.
A diminuição do volume do hipocampo tem sido associada a sintomas de depressão e pensamentos dissociativos. Essa redução do hipocampo também aparece no transtorno de personalidade limítrofe associado ao trauma precoce e está negativamente correlacionada com o início e a duração do trauma na infância.
“As manifestações funcionais das alterações do hipocampo em indivíduos maltratados estão relacionadas aos sintomas de amnésia, dissociativos, ansiosos e desinibitórios característicos do TEPT.”
-Mesa-Gresa-
Amígdala
A amígdala é responsável por processar e armazenar as reações emocionais essenciais para a sobrevivência. Atualmente, sabe-se que o estresse precoce induz alterações nessa estrutura. Especificamente, o estresse aumenta os níveis de dopamina e atenua os níveis de serotonina nessa estrutura.
Embora haja controvérsia sobre se as alterações na amígdala ocorrem como consequência da violência infantil, estudos têm encontrado, ainda que fracamente, uma alteração no volume total da amígdala em crianças com TEPT, em comparação com crianças não abusadas.
“Em crianças abusadas e negligenciadas, a ativação crônica da amígdala pode prejudicar o desenvolvimento do córtex pré-frontal, o que pode levar a alterações dependentes da idade na aquisição de comportamentos e emoções, incluindo controle de impulsos”.
-Mesa-Gresa-
Danos também foram detectados em outras estruturas, como o vermis cerebelar. Alterações nessa estrutura têm sido relacionadas a algumas entidades clínicas, como esquizofrenia, autismo, TDAH ou transtorno bipolar.
Como podemos ver, os efeitos do abuso infantil são múltiplos e afetam direta e indiretamente a evolução normativa de certas estruturas cerebrais. Portanto, torna-se um problema de primeiro nível que deve ser evitado.
Fonte: A Mente é Maravilhosa – Imagens: A Mente é Maravilhosa
Bibliografia:
- Marty, C., & Carvajal, C. (2005). Maltrato infantil como factor de riesgo de trastorno por estrés postraumático en la adultez. Revista chilena de neuro-psiquiatría, 43(3), 180-187.
- Mesa-Gresa, P., & Moya-Albiol, L. (2011). Neurobiología del maltrato infantil: el ‘ciclo de la violencia’. Revista de neurología, 52(8), 489-503.
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